sábado, 13 de junho de 2020

A Acessibilidade na Educação Musical

Sou Fabrícia Eges Ferreira Azevedo, cantora, compositora, tecladista, aluna do curso de licenciatura em música do IFG Campos Goiânia.

Sou uma pessoa com deficiência visual congênita e fui alfabetizada em braille em uma escola no interior de Goiás. Naquela época nem se falava em inclusão, mas minha mãe tomou uma atitude que hoje pode ser considerada inclusiva: veio para Goiânia juntamente com uma professora da cidade, e as duas aprenderam o braille. Foi assim que pude ser alfabetizada numa escola regular.

Aos 13 anos, me mudei para Goiânia com minha família. Nessa época eu já tinha um teclado, um violão e um conhecimento muito básicos desses instrumentos e já cantava em pequenos festivais de música. No mesmo ano em que chegamos a Goiânia, fui inserida nas aulas de piano com um professor, também deficiente visual, na Escola de Artes Veiga Vale. Não ouvi falar em notação musical. Embora já existisse a musicografia braille, ela não era difundida, e por isso não tive acesso. Por esse motivo, todas as aulas que tive foram práticas, gravações de exercícios para treinar em casa por repetição, tanto na escola Veiga vale, quanto com os professores particulares que tive. Por causa disso, acho que perdi muito em conhecimento, em comparação à educação musical que uma criança sem deficiência da minha idade teria. O que estudei de teoria, foram as notas musicais, escalas, noções básicas de intervalos, formação dos acordes.

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão - LBI (BRASIL, 2015), “Considera-se pessoa com deficiência, aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" (LBI, artigo 2º).

Das barreiras que dificultam a participação de uma pessoa com deficiência, em qualquer ária da educação, falarei das que considero mais relevantes para uma pessoa com deficiência visual como eu.

Barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informaçãoBarreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.” (LBI, artigo 3º IV). 

Vale ressaltar que, de acordo com a atitude dos professores e colegas, o conteúdo pode chegar ou não até o aluno com deficiência visual. Por exemplo, numa aula de coral, um exercício de alongamento ou respiração, é preciso que o professor descreva o exercício que está propondo. Se for um vocalize, já não será necessária uma descrição, pois a pessoa com deficiência visual vai ouvir e assim poderá participar da aula sem restrições.

Barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.” (LBI, artigo 3º IV). Tais barreiras podem ser minimizadas por meio das  tecnologias assistivas que uma pessoa com deficiência precisa para desempenhar com autonomia seus estudos e trabalho. Por exemplo, um computador com um leitor de tela instalado.

Comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações.” (LBI, artigo 3º V). Nesse caso, para o deficiente visual, se ele receber os textos em .doc, .txt ou .pdf no formato texto e não em formato imagem, ele consegue interagir com o professor sem qualquer barreira.

A acessibilidade na educação musical pode acontecer de várias formas, de acordo com as barreiras existentes. Irei listar aqui alguns conceitos que julgo muito importantes, baseados na lei brasileira de inclusão.

Desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva.” (LBI, artigo 3º II). 

Trago como primeiro exemplo, o Musibraille, um editor de partituras, criado pelo núcleo de computação eletrônica da  UFRJ, especificamente para pessoas com deficiência visual. Quando iniciei no curso de licenciatura em música, tive dificuldade em usá-lo, pois não aprendi a musicografia braile na minha educação musical, e os professores não conhecem essa plataforma. Assim, tanto eu quanto eles teríamos que fazer um curso para trabalhar com esse programa. Se trata de um software de notação musical desenvolvido exclusivamente para pessoas com deficiência visual, que não foi criado no desenho universal. Segue vídeo demonstrativo do Musibraille: 


Como segundo exemplo, temos o Musescore, um software de notação musical livre e fácil de usar, que posso acessar com uma tecnologia assistiva, ou seja, um leitor de tela instalado no meu computador, que me possibilita criar uma partitura e digitalizar ou imprimir para que o professor tenha acesso, ou que eu possa ler no computador uma partitura digitalizada pelo professor. Esse software foi construído no desenho universal, pois possui teclas de atalho para cada função, facilitando assim o acesso de uma pessoa com deficiência visual, que utiliza qualquer leitor de tela. É comumente usado por pessoas sem deficiência, por isso se torna fácil encontrar tutoriais sobre ele na internet.

Para produzir meus arranjos, uso o Reaper, um software multipista. Esse software  possui extensões que o torna acessível, podendo ser atribuídas teclas de atalho para algumas funções.

Já no meu instrumento, que é o teclado, embora ele tenha todas as funções de que preciso para montar ritmos, playbacks das minhas músicas, ele se torna limitado quando se trata de algumas funções, pois o mesmo não tem acessibilidade, nem posso instalar nele alguma tecnologia assistiva. Por isso recorro aos softwares de edição de áudio para computadores, assim posso trabalhar usando um leitor de tela.

Programas como o Audacity e Soundforge também são acessíveis à pessoa com deficiência visual, através de teclas de atalho.

Smartphones são exemplos de plataformas construídas no desenho universal. Ambos já vêm com um pacote de acessibilidade, sendo necessário somente ativá-lo. Alguns trazem até mesmo aplicativos que ajudam na educação musical, como é o caso do áudio acordes, um aplicativo da Samsung, que possui um dicionário de acordes em áudio e tutoriais ensinando como montá-los.  Ele traz músicas em vários níveis para que o deficiente visual aprenda a tocar. Segue demonstração no link abaixo:


"Tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.” (LBI, artigo 3º III).

Essas tecnologias são essenciais e proporcionam à pessoa com deficiência a facilidade de acesso a conteúdos necessários para seu estudo e trabalho ou mesmo para o seu cotidiano. Um exemplo de tecnologia assistiva é o leitor de tela NVDA, que podemos baixar gratuitamente e instalar no computador e ter acesso ao sistema Windows e a internet. Com outra tecnologia assistiva presente nos smartphones, consigo ter acesso ao aplicativo do IFG e conferir meus horários de aulas e muito mais, facilitando a organização da minha rotina. 

Todas as ferramentas mencionadas aqui, são utilizadas por mim, no curso de Licenciatura em Música, direta ou indiretamente. Cada avanço nas tecnologias representa menos barreiras, mais acessibilidade e participação da pessoa com deficiência na área da educação musical.

Referências:
BRASIL (2015). LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

Fabrícia Eges Ferreira Azevedo
Acadêmica do curso de Licenciatura em Música do Campus Goiânia
O Blog da educação musical tem por objetivo ser um espaço para divulgação de ações, projetos, cursos, eventos e publicações da área da educação musical no Brasil.
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