Questões Emergentes em Educação Musical Escolar no Uso de Novas Tecnologias
O ensino de música no Brasil dentro do contexto escolar, possui um histórico complexo, que levou a música a ter dificuldades de se manter como disciplina autônoma na educação básica. Contudo, dentre as propostas existentes, é necessário realizar uma opção tanto no aspecto das filosofias e perspectivas educativo-musicais históricas, quanto dos objetivos, metodologias, estratégias e ações, para que o ensino seja planejado, executado e avaliado com sucesso neste contexto.
Nesse sentido, a utilização dos meios tecnológicos no ensino musical oferece soluções que põem em prática, ações que suprem algumas necessidades, mas, também, mostram-se como um desafio para a integração de conhecimentos diversificados, como o conhecimento pedagógico – curricular – artístico e tecnológico. Inicialmente, o diálogo entre a música, educação e as NTIC’s provocou objeções de toda ordem. Dizia-se que a tecnologia era coisa fria e racional, não servindo aos desígnios artísticos, que ela afastaria o homem da arte e traria um grande desemprego aos professores e músicos tradicionais. Essa atitude de medo e desconfiança de músicos e educadores, que não se davam conta que esta parceria era antiga, dissolveu-se ao longo dos últimos trinta anos. O desemprego não aconteceu e os músicos tradicionais e pedagogos passam a consumir e utilizar-se da tecnologia para editar partituras, fazer arranjos e automatizar o ensino de solfejo (Krüger, 1999).
A era tecnológica fortificou-se com a chegada do século XXI e o conceito de arte está sendo repensado e revisto. Composições recentes, tanto da área classificada como Erudita, em obras de Luciano Berio (Folcksongs), Gilberto Mendes (Beba Cola-cola), Chico Mello (John Cage na Praia), Tato Taborda (Samba do Crioulo Doido); quanto na área classificada de Popular, com Arrigo Barnabé, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, mostram que os muros entre o erudito e o popular, vanguarda e tradição, internacional e regional estão sendo rompidos ou diminuídos. A aldeia ficou global, a interdisciplinaridade é o dia-a-dia, a transdisciplinaridade ganha adeptos e o multiculturalismo ganhou as ruas (Souza, 2001).
E, como todo este Mundo Novo está se refletindo na Educação Musical?
Educadores como Dalcroze, Orff e Kodály renovaram com seus métodos alguns aspectos do ensino da música, mas é a partir dos anos 40 com o movimento, Música Viva, criado por Koellreutter e, nos anos 60, com novo impulso trazido pelas Oficinas de Música que a presença da música contemporânea se fez presente, ainda que como sombra, na educação musical brasileira (Campos, 1988). No final da década de 60, surge no Brasil, no Instituto Villa Lobos (RJ), os primeiros trabalhos de Oficina Musical com Esther Scliar e Reginaldo de Carvalho. Na década de 70, na Universidade de Brasília, outras Oficinas de Música foram desenvolvidas por compositores como Sceko e Carlos Karter (Cunha e Martins, 1998).
As novas maneiras de tratar o fenômeno sonoro e a coexistência de outras áreas levaram à elaboração de uma nova linguagem. A utilização dos novos meios de produção musical exigiu outras maneiras de se descrever o som e uma maior flexibilidade de manipulação dos parâmetros do som. O vocabulário musical, nas formas de descrever, representar e relacionar o fenômeno sonoro foi modificado. As transformações geradas pelo uso desses novos meios de produção musical, aliadas às novas concepções no campo científico sobre o que é conhecimento e sobre como o indivíduo constrói conhecimento, exigem que tenhamos novas atitudes quanto à aprendizagem musical.
Esse novo ambiente composto pelo indivíduo, que atua por meio de diversas ferramentas utilizando-se de uma linguagem musical multifacetada, gera novos padrões estéticos e sonoros. Assim, o enfoque educacional tem que levar em consideração todos os elementos que compõem esse cenário, a fim de propiciar ambientes de aprendizagem que levem o indivíduo a agir, a refletir e a expressar suas ideias. E assim, as experiências acumuladas pelos Métodos Ativos (Dalcroze, Orff e Kodály), pelas Oficinas de Música e outras formas de ensino musical de vanguarda necessitam estar presentes na concepção de softwares educativos musicais.
Na concepção de tais ambientes de aprendizagem o computador apresenta-se como uma ferramenta importante que viabiliza uma nova forma de resgate, descrição e representação do conhecimento, apontando para novas perspectivas na exploração e criação musical. A tecnologia emergente aliada a esta nova linguagem musical pouco ou nada está presente na educação básica atual, sendo utilizada apenas no âmbito da criação musical no ensino superior. Outro fator desagregador é o fato da grande maioria de softwares de música, ditos pedagógicos, serem desenvolvidos com objetivos meramente comerciais e assim não contemplarem os conteúdos e conceitos desta nova estética.
Nesse sentido, Cunha (Cunha e Martins, 1998) pontua alguns aspectos essenciais para a avaliação de softwares de Educação Musical. Inicialmente, o software pedagógico musical deve ser multicultural. No sentido de ampliar o conhecimento sonoro para várias culturas, seus instrumentos musicais e formas de organização sonora. Ele deve promover o desenvolvimento de uma escuta sem julgamentos, apreciando os sons pela sua forma e textura, sem preconceitos. No qual se utiliza todo o universo das várias culturas como ampliação da fonte de estímulo para a criação sonora. O software, também, deve ser interdisciplinar. Deve promover a integração da música com as outras formas de expressão com a utilização de imagens, palavras e movimento como pontos geradores para a improvisação e criação musical. Compreensão do fenômeno acústico. Manipular e trabalhar os parâmetros sonoros: altura, duração, dinâmica, timbre e espacialização. Deve propiciar a criatividade, no sentido de brincar com os sons da mesma forma que brincamos com cores, formas e argila, um tatear sonoro, modificando o timbre, altura do som, sem preocupação de organizar esse material necessariamente. Outro fator relevante é a interação Máquina/Aprendiz, pois a elaboração de ambientes computacionais de criação musical deve ter uma sustentação pedagógica para que tais ambientes não percam em interação. Sem tal sustentação, corre-se o risco de que tais ambientes possam ser reduzidos em seus propósitos e meios, ocasionando solicitações deficitárias, por não ser respeitada a complexidade cognitiva dos indivíduos (Cunha e Martins, 1998).
Em razão destas possibilidades, acredita-se que o ganho no uso do computador para o contexto de aprendizagem está vinculado ao apoio para a viabilização e explicitação de ideias musicais. Um sistema de representação computacional deve dar suporte e facilitar o processamento dessas ideias. No qual o indivíduo terá, também, mais oportunidades de expressar e trabalhar seu conhecimento, permitindo assim a criação de possibilidades mais diretas e diversificadas. Acredita-se que os avanços tecnológicos devem estar disponíveis na educação musical como um todo - não apenas em seus níveis mais avançados, como o da composição, mas em qualquer processo criativo sonoro-musical, de experimentações e improvisações. Um ambiente computacional voltado à experimentação musical deve favorecer a atuação das pessoas que estejam ingressando na área, de forma que eles possam conceber e executar suas criações musicais num contexto autônomo de tomada de decisões. Acredita-se que é preciso manter sempre um princípio que garanta a exploração, criação, depuração e compreensão do processo pelo aprendiz. Alguns aplicativos abordam um determinado assunto em profundidade. Outros apresentam noções básicas de categorias: teoria musical, história da música, percepção musical. As enciclopédias dispõem de informações sobre instrumentos musicais. A Internet já vem sendo explorada tanto pelos educadores, em busca de formação e informações, como pelos alunos; funcionando como uma imensa biblioteca para pesquisas de informações, recursos e arquivos.
Toda esta nova gama de recursos para a aprendizagem musical tende a desenvolver novos processos de apropriação de conhecimentos. Estes processos devem ter como foco não somente os objetivos e resultados relacionados aos aspectos técnicos ou materiais, mas, também, focar na consciência sobre as consequentes mudanças nos níveis didático-pedagógicos e efeitos cognitivos.
Referências:
Campos, Denise Á. (1988). Oficina de música: uma caracterização de sua metodologia. Goiânia, Cegraf/UFG, Dissertação de mestrado – Faculdade de Educação da UnB, Distrito Federal.
Cunha, Glória; Martins, Maria C. (1998). Tecnologia, Produção & Educação Musical: Descompassos e Desafinos. congresso ribie, 4., 1998, Brasília. Anais… São Paulo: Unicamp.
Kruger, Susana E. et al. (1999). In: Desenvolvimento de Software para Educação Musical: um Projeto Interdisciplinar. VI Simpósio Brasileiro de Computação. Rio de Janeiro.
Souza, Maria J. A. (2001). Informática educativa na educação informática: estudo de geometria no ambiente do software cabri-géomètre. Dissertação de Mestrado. FACED/UFC, Fortaleza
Professor Eliton Pereira
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