sexta-feira, 22 de maio de 2020

Precursores dos Métodos Ativos

A Educação Musical antes dos Métodos Ativos

No contexto da Educação Musical são muito difundidos os métodos ativos, mas uma questão a ser colocada é como era a educação antes desse processo de renovação? Quem foram os predecessores dos métodos ativos? Como se deu esse processo de mudança no contexto do ensino de música?

Colwell et al (2016) explicam que a Educação Musical nos Estados Unidos da América e México possui origem parecida. Nos Estados Unidos o início se deu por influência da religião protestante, já no México, assim como no Brasil, por influência de missionários católicos. A mesclagem da música nativa com a música europeia trazida pelos colonizadores, gerou muitas modificações no contexto da produção musical e, por consequência, nos processos de ensino-aprendizagem da mesma. 
Para Kiefer (1977), no Brasil, é evidente a influência da cultura africana na musicalidade do povo e isto influenciou significativamente a produção de estilos, gêneros musicais e de sentidos culturais que objetivamente deram contornos singulares aos processos de ensino de música.
O período inicial das colônias das Américas, do Sul e no Norte, parece ser muito semelhante, havendo confluências culturais entre música europeia religiosa, música africana e algum resquício da música dos povos locais, no caso do Brasil, da música indígena. Deste modo, a Musicologia histórica e a etnomusicologia contribuem significativamente para compreendermos os processos de ensino e aprendizagem da música nos idos dos séculos XVI e XVII, estando o ensino de música mais vinculado aos serviços das igrejas católicas e protestantes (Cuervo, 2010).

Na Europa a tradição seguia o ensino individual de instrumento como padrão da relação ensino-aprendizagem em música, cujo sistema de ensino, geralmente circunspeto por um músico experiente e seus poucos alunos, tinha o objetivo de formar novos músicos para compor os grupos orquestrais ou coros para os serviços eclesiásticos, ou servia como um hobby a membros da corte ou da burguesia em ascensão dos períodos anteriores ao século XX (Grout e Palisca, 2001). 
Do mesmo modo, no Brasil e nos países americanos, a Educação Musical anterior aos métodos ativos, possuía um caráter de instrução instrumental ou do canto, com objetivos performáticos e não havia uma preocupação com a generalização da música para todos os membros da sociedade.
Não objetivando historicizar detalhadamente esses períodos, cabe compreender que a Educação Musical tinha uma função social diferenciada ao seu papel atribuído na atualidade. Deste modo, com base em Colwell et al (2016), Grout e Palisca (2001) e Morgan (1947), podemos dizer que a música ocupava, na sociedade ocidental moderna, basicamente os seguintes espaços sociais:
  1. O contexto religioso;
  2. Os momentos de saraus e festas em família;
  3. Divertimento nos salões e casas noturnas;
  4. Teatros e casas de concerto.
Nesta época a Educação Musical tradicional tem uma produção de conhecimento ligada aos manuais de ensino escrito pelos compositores, geralmente partituras com objetivos pedagógicos e ainda pela historicidade das ações relativas ao aprendizado em música, sempre vinculado à história das elites sociais, à teoria musical e à biografia dos compositores ou músicos instrumentistas ou cantores (Grout e Palisca, 2001). Aqui a relação entre Educação Musical e Musicologia histórica se faz presente de modo que uma não pode se dar sem a outra (Morgan, 1947). 
Outra abordagem que vai fortalecer a configuração a Educação Musical como área de formação humana é a temática da filosofia da Educação Musical, sempre influenciada pela filosofia da educação geral e pela filosofia da arte, pelas suas várias vertentes e tendências. A relação entre mudanças sociais, filosóficas, religiosas e políticas do final do século XIX vão contribuir para uma nova concepção de sociedade, de Educação e de Educação Musical.

Segundo Amado (2007), Cambi (1999) e Fonterrada (2008) a revolução francesa exerceu significativa influência na educação popular, alargando os domínios do ensino para formação humana, de modo que no século XIX surgiram as escolas de música, contexto no qual a Educação Musical de crianças ganha atenção das famílias burguesas. Neste contexto aparece a figura de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que foi “o primeiro pensador da educação a apresentar um esquema pedagógico especialmente voltado para a Educação Musical” (Fonterrada, 2008, p. 51). Por ser um filósofo importante no contexto da educação iluminista e também humanista, Rousseau exerceu significativa influência nas futuras propostas a serem criadas no contexto da Educação Musical, as quais também tiveram influência de Pestalozzi, Herbart e Fröbel.
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), educador suíço, contribui com uma proposta de aprendizagem que tem por base a experimentação prática e a afetividade envolvida no processo pedagógico. Fonterrada explica as principais contribuições de Pestalozzi para a Educação Musical.

"A educação, de acordo com seu entendimento, é o desenvolvimento natural, simétrico e harmonioso de todas as faculdades da criança. Sua pedagogia é uma reação aos costumes bárbaros de punição, tão comuns nas escolas de sua época." (Fonterrada, 2008, p. 51).

Figura 1 - Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Fröbel.

De acordo com Bauab (1960) as ideias de Pestalozzi contribuíram significativamente para se pensar a formação integral do ser humano com a música fazendo parte deste processo. 
Com base em Bauab (1960) e Fonterrada (2008) podemos sintetizar os princípios das ideias educativas musicais de Pestalozzi como: a) ensinar os sons antes das grafias; b) atenção à percepção sonora; c) ensinar ritmo, melodia e expressão passo a passo; d) criar processos de ensino mediante a experiência prática. 
Além de Pestalozzi, outra figura importante no contexto da construção desta base filosófica e pedagógica foi Johann Friedrich Herbart (1776-1841). Herbart é conhecido como o fundador da pedagogia como disciplina acadêmica e tinha por base as atividades rotineiras no contexto da aprendizagem apesar de apoiar-se também na psicofísica e na psicologia nascente em sua época. Segundo Fonterrada (2008), Herbart se orienta para uma educação formalista. Para ele a vida mental tem dois aspectos, os formais (lógicos) e os materiais (físicos), de modo que se preocupa em relacionar o novo ao já adquirido e em obedecer às etapas de aprendizagem dos alunos. Fonterrada destaca as principais contribuições de Herbart para a Educação Musical.

"De Herbart derivam as preocupações com a metodologia de ensino, que se intensificam a partir do século XIX, com os conhecimentos da psicologia e que, ainda hoje, ocupam lugar importante na organização escolar." (Fonterrada, 2008, p. 53).

Além de Herbert, outro educador que contribuiu para se considerar a Educação Musical como componente da formação humana foi Fröbel, cujo nome completo é Friedrich Wilhelm August Fröbel (1789-1852), um pedagogo alemão que tinha suas raízes na escola Pestalozzi. Tanto Amado (2007) quanto Cambi (1999) explicam que Fröbel tinha, assim como Rousseau, Pestalozzi e Herbart, uma preocupação comum com a criança e com o seu ensino. Fonterrada (2008) explica que Fröbel advogava a inclusão do canto e de outras artes nas escolas. Deste modo estes educadores iluministas trazem uma contribuição para superação da abordagem educativa medieval. 
Nesse sentido, é possível compreender as bases da Educação Musical, partindo também da história da música, da musicologia histórica e sistemática, da filosofia da educação e das pedagogias tradicionalmente voltadas para o ensino de instrumentos musicais e do canto. Essas bases serão significativamente inspiradoras dos métodos ativos do ensino de música. Em primeiro lugar porque os métodos ativos possuem um objetivo democratizante, e em segundo lugar, porque eles são voltados para a aprendizagem prática e inclinados ao ensino de música para todos. Alguns métodos são mais preocupados com o ensino de música como disciplina para formação de músicos e outros mais voltados para a musicalização infantil, cuja preocupação também se dá para a formação humana integral, cujas filosofias e procedimentos recebem influências de Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Fröbel.

Colwell et al (2016) explica que no século XIX surgem as primeiras escolas particulares de caráter profissionalizante em música. Em 1794 é criado o conservatório de Paris e em 1822 é fundada The Royal Academy of Music em Londres. Esse modelo se espalha por toda a Europa e chega aos Estados Unidos da América. No Brasil é fundado em 1845, o Conservatório Brasileiro de Música no Rio de Janeiro (Fonterrada, 2008).
O modelo conservatorial passa a dominar o contexto dos primeiros movimentos práticos de formação de músicos em contexto acadêmico (Bauab, 1960). Cowell (2010) explica que ao longo do século XX muitos conservatórios foram absorvidos pelas universidades Norte-Americanas, o que ocorreu em grande escala também no Brasil (Fonterrada, 2008). Na Europa o sistema de ensino em conservatórios se tornou mais fixado e autônomo em relação ao sistema acadêmico das universidades, porém em muitos países há uma estreita relação entre a produção musicológica e produção acadêmica pedagógica musical, mesmo havendo essa autonomia em relação à formação e pesquisa dos universos conservatoriais e acadêmicos.

É neste contexto das escolas independentes de arte que vão surgir os primeiros métodos ativos para o ensino de música. Chegando ao início do século XX identificamos nomes que sustentam a abordagem moderna de Educação Musical – cujas propostas fundamentam e influenciam projetos de ensino musical em diversos contextos pedagógicos – os quais são: Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), Edgar Willems (1890-1978), Zoltán Kodály (1882-1965) e Carl Orff (1895-1982).
Figura 2 - Dalcroze, Willems, Orff e Kodály.

Referências:
Amado, C. M. M. (2007). História da Pedagogia e da Educação – Guião para acompanhamento das aulas. Évora: Univ. de Évora.

Bauab, M. (1960). História da Educação Musical. Rio de Janeiro: Editora Organizações Simões.

Cambi, F. (1999). História da Pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da UNESP.

Colwell, R. et al (2016). Music education. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Accessed: <http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/A2242324> dez. 2016.

Cuervo, L. (2010). Educação Musical no Brasil: enfoque sócio histórico da colônia ao império. Departamento de Música – UFRGS. Práticas vocais para a Educação Musical. Material didático. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/musicalidade/midiateca/educacao-musical/ovas-educacao-musical/edmusicalbrasil_3.swf> jul. 2017.

Fonterrada, M. T. de O. (2008). De tramas e fios: um ensaio sobre Música e Educação. São Paulo: Editora UNESP.

Grout, D. J; Palisca, C. V. (2001). História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva.

Kiefer, B. (1977). História da Música Brasileira. Porto Alegre: Movimento, 1977.

Morgan, H. N. (ed). (1947). Music Education Source Book: Chicago Music educators national conference. Chicago, Illinois.

Professor Eliton Pereira
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Sou Fabrícia Eges Ferreira Azevedo, cantora, compositora, tecladista, aluna do curso de licenciatura em música do IFG Campos Goiânia. Sou um...